Nos últimos anos, o espaço – a “última fronteira” – parece mais próximo do que nunca. Em 2021, por exemplo, aconteceu o primeiro voo orbital tripulado apenas por civis (a cargo da SpaceX, de Elon Musk).
Se antes eram os governos de superpotências que mandavam no setor, hoje é a iniciativa privada quem dá as cartas. E nessa nova “corrida espacial”, há as corporações bilionárias, como a SpaceX, a Blue Origin (de Jeff Bezos, da Amazon) e a Virgin Galactic, e também os players menores, startups e scale-ups disputando por fora na seara da inovação.
Onde entra o Brasil nesse cenário? Para discutir os rumos da política e do desenvolvimento espacial do país, São Paulo recebeu, em maio, a SpaceBR Show. Emerson Granemann, engenheiro e CEO da MundoGEO, responsável pela organização da feira, afirma:
“O Brasil ainda não tem uma posição forte dentro do mercado espacial, mas tudo leva a crer que vai começar em breve a adquirir um posto de liderança na América Latina, com projeção global”
Para embasar essa visão otimista, Emerson leva em conta o surgimento recente de startups brasileiras de olho no espaço, e atuando em frente diversas: da maranhense Acrux Aerospace Technologies, que busca de parcerias para construir foguetes e lançadores nacionais com preços competitivos, à paulista Epic of Sun, surgida na USP e dedicada a desenvolver nanossatélites para monitorar a Terra.
O CEO da MundoGeo destaca ainda a relevância do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão. Sua posição, próxima à Linha do Equador, é estratégica – quanto mais perto do Equador, maior a velocidade de rotação da Terra, o que ajuda os foguetes a ganhar impulso e a economizar combustível.
“Empresas nacionais e internacionais já estão começando a usar o centro por conta das vantagens geográficas.”
DO TURISMO ESPACIAL AO DESENVOLVIMENTO DE REMÉDIOS EM AMBIENTE DE GRAVIDADE ZERO, UM “UNIVERSO” DE POSSIBILIDADES
A terceira edição da Space BR foi a primeira 100% presencial. Segundo os organizadores, o evento reuniu 100 expositores e 5 mil participantes (vindos de 30 países), que assistiram a um total de 180 palestras.
Segundo Emerson:
“Há 20 anos, não tinha como fazer uma feira sobre espaço, porque só teria um comprador: o governo. Hoje, iniciativas da NASA e de outros países usam empresas privadas, que desenvolvem tecnologia para explorar o espaço de maneira bastante comercial”
Ele divide essas empresas em dois tipos. De um lado, empreendimentos mais antigos, acostumados a depender de contratos com o governo, e que agora, frente à necessidade de inovar, vêm se reformulando e buscando diversificar a carteira de clientes. Do outro, startups em busca de subsídios governamentais e parcerias com o setor privado.
Do desenvolvimento de medicamentos em gravidade zero ao turismo espacial, da distribuição de sinais de internet em áreas remotas à mineração espacial (ou mesmo ao monitoramento de programas ESG), a programação da feira sugeria um “universo” de possibilidades para o setor.
Porém, a rodada de pitches – ou “Space Pitch” – realizada durante o evento acabou colocando em evidência duas áreas específicas que prometem ser cruciais para o desenvolvimento aeroespacial brasileiro: o agronegócio e a educação.
EMPREENDEDORES APOSTAM EM SATÉLITES PARA AMPLIAR PRODUÇÃO AGRÍCOLA
Num palco aberto no Centro de Convenções Frei Caneca, na Bela Vista, empreendedores de oito startups tiveram 5 minutos para apresentar suas propostas de negócio para potenciais investidores – entre eles, representantes do Ministério da Ciência e Tecnologia, da Amazon Web Services e da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos).
Cada empreendedor teve 5 minutos extras para responder às dúvidas dos jurados, que avaliaram as empresas levando em conta critérios como inovação, potencial de mercado e a equipe por trás de cada negócio.
Metade das participantes dos pitches tinha foco no agro, incluindo as três que chegaram ao pódio. A vencedora foi a Quasar Space. Fundada por uma dupla de estudantes do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), a startup usa imagens de satélite e IA para ampliar a produtividade de alimentos em agricultura, aquicultura e agroflorestas.
A Quasar foi criada por Thaís Franco e Caio Fagonde. Doutoranda em engenharia aeronáutica e mecânica do ITA, ela orientou Caio – então bolsista de iniciação científica da instituição – durante um projeto.
“A gente trabalhava tão bem junto que convidei o Caio para ser meu sócio”, conta Thaís ao Draft. Hoje ela é a CEO e ele, o CTO da startup. “Outros alunos do ITA também integram a empresa.”
A ênfase no agro veio de uma preocupação com uma possível escassez de alimentos aliada à oportunidade comercial. Afinal, “28% do PIB nacional é decorrente do agronegócio”, afirma Thaís. “Querendo ou não, é um negócio imensamente vasto.”
A empreendedora conta que compareceu à feira com a intenção de posicionar a marca mais fortemente dentro do setor espacial. E se surpreendeu com o volume de negócios, além da vitória no Space Pitch (que rendeu um prêmio de 3 mil reais, mais uma bolsa da aceleradora de startups americana Founder Institute, além de 10 mil dólares em créditos de nuvem e uma mentoria da Amazon Web Services):
“A gente veio mais por branding do que por faturamento, mas foi incrível a quantidade de negócios que fechamos…. Em relação ao pitch, eu não esperava a premiação porque, diferente das outras empresas, não estamos captando recursos. Foi uma quebra de paradigma”
Vice-campeã do Space Pitch, a All2Space tem a meta de usar a tecnologia espacial para turbinar a agricultura de precisão, promovendo tomadas de decisão mais eficientes. A startup foi à feira em busca de investidores para desenvolver sensores que captem informações sobre o solo em plantações de pequenos e médios produtores de soja.
Nascida com a ideia de montar uma constelação de satélites equatoriais que funcionasse com Internet das Coisas, a All2Space acabou pivotando por motivos comerciais. A ideia, agora, é que o produto voltado para o agro ajude a financiar o projeto original, que por sua vez tornaria mais barata a operação junto aos agricultores – hoje, a proposta ainda é usar satélites de terceiros. O CTO Pedro Kaled afirma:
“É muito mais fácil pedir 100 mil reais para o investidor, já com uma quantidade certa de produtores dispostos a testar e comprar uma solução que vai sair no ano que vem, do que convencer alguém a investir 5 milhões de dólares para lançar um satélite daqui a quatro anos e começar a dar lucro daqui a seis”
Fechando o pódio dos pitches do Space BR Show, a Acosta Aerospace ficou em terceiro lugar. A empresa tem a proposta de usar satélites para monitorar plantações, o meio ambiente e localidades remotas.
DA SALA DE AULA AOS GAMES, O ESPAÇO PODE SER UMA FERRAMENTA EDUCATIVA PARA CRIANÇAS
Em 1986, a passagem do cometa Halley pela Terra deixou uma forte impressão no cearense Bira Lavor, na época uma criança.
“Lembro daquela noite em que fiquei acordado horas e horas com meu pai, esperando a passagem do cometa… Aquele deveria ter sido o marco para me tornar um cientista, um astrônomo, um astronauta”, conta.
Em vez de astronauta, Bira virou empreendedor. Hoje ele é CEO da playSTEM Academy, um game interativo que usa storytelling para incentivar as crianças a identificar e aprender mais sobre planetas e satélites. Segundo Bira:
“Desde o nascimento, a criança é um ser ávido por experiências. Quando pequena, ela observa, escuta, tenta reproduzir movimentos e quer sempre uma resposta, algo que o game traz. Nosso objetivo é aproveitar essa ferramenta para passar conhecimento”
A meta é aguçar a curiosidade, o interesse e o conhecimento desde cedo nos pequenos, em relação ao espaço e à resolução de problemas no dia a dia. Segundo o empreendedor, o projeto tem consultoria da astrônoma brasileira Rosaly Lopes, que trabalha na NASA.
Vencedora da edição 2022 do Space BR Show, outra edtech, a Ideia Space, retornou neste ano para organizar um “evento dentro do evento”: o Space Education Summit, fórum que reuniu educadores para discutir o impacto do “ensino espacial” na sala de aula.
Para Leonardo Souza, CEO da Ideia Space, o objetivo é tornar mais próximo aquele sonho de muita criança de ser astronauta quando crescer:
“Quando os EUA entraram na corrida espacial, apresentaram o tema até pelo entretenimento, em franquias como Star Wars e Star Trek. A partir do momento em que conseguimos trazer o assunto de maneira fácil para os alunos, ajudamos a gerar profissionais que entendem a importância desse mercado e perdem o medo de atuar na área”
Com um plano de aulas pronto e treinamento de professores para tratar do tema, a Ideia Space vem testando, segundo Leonardo, sua metodologia em algumas escolas do país. São Paulo, Minas Gerais, Maranhão e Rondônia são estados na mira da startup.
NO BRASIL, O SETOR AINDA CARECE DE DIVULGAÇÃO E INCENTIVO DO GOVERNO
O organizador do evento, Emerson Granemann, lembra que, mesmo que esse interesse no espaço não se traduza numa formação em astronomia ou engenharia aeroespacial, o setor perpassa várias outras áreas, como design, biologia, nutrição e engenharia mecânica.
“Para os jovens, a área aeroespacial é muito lúdica. A criança recebe um aprendizado mais interessante e talvez até desperte no futuro para enveredar pelo setor.”
Por enquanto, faltam investimento e organização a nível federal para que o Brasil possa finalmente decolar no setor. Até a Argentina, afirma o CEO da MundoGEO, mesmo com uma economia menor, já vem investindo mais no desenvolvimento espacial do que nós.
“A área ainda precisa ser melhor divulgada no Brasil, com órgãos governamentais se reunindo para de fato construir um projeto para o país. Só assim a sociedade vai entender a importância do setor.”